O processo de privatização da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) foi tema de audiência pública realizada na manhã desta segunda-feira (15), no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). O auditório do Plenarinho ficou lotado e contou com a participação de trabalhadores da estatal, deputados estaduais, advogados, lideranças sindicais e representantes da sociedade civil. A diretoria da Celepar ignorou o convite feito pela Bancada da Oposição e o Governo do Estado do Paraná não enviou nenhum representante ao debate.
O objetivo da audiência, organizada pela Bancada de Oposição e pelo Comitê dos Trabalhadores contra a Privatização da Celepar, foi discutir os riscos da venda da empresa para a soberania digital e para a segurança de dados de milhões de paranaenses. Considerada a “guardiã digital” do Estado, a companhia é responsável por armazenar informações estratégicas, incluindo dados pessoais e sensíveis como registros de saúde, biometria, origem racial, convicções políticas e religiosas.
O deputado estadual Arílson Chiorato (PT), Líder da Oposição na Alep, classificou a proposta de venda como mais grave que outras privatizações já realizadas no Paraná. “Vender a Celepar é ainda mais grave do que vender a Copel e outras estatais, pois estamos falando dos dados estratégicos do Estado”, afirmou.
A deputada estadual Luciana Rafain (PT) alertou para os riscos às políticas de proteção de mulheres. “Defender a Celepar é defender os dados pessoais das mulheres vítimas de violência. Não podemos permitir que essas informações fiquem sob responsabilidade privada”, disse.
Para Jonsue Trapp Martins, do Comitê dos Trabalhadores contra a Privatização, a Celepar é peça central no planejamento do Estado. “Privatizar a Celepar é privatizar o planejamento do Estado. Toda evolução do Paraná teve participação da empresa. Entregar isso à iniciativa privada é entregar a soberania do Paraná. O Estado não pode ficar refém de uma empresa privada”, frisou. Ele lembrou ainda que pareceres da Procuradoria-Geral do Estado e do Ministério Público apontaram entraves legais para a venda.
O advogado André Passos, do Instituto Edésio Passos, destacou que a Celepar foi pioneira na criação de soluções digitais públicas. “A Celepar ajuda a construir políticas públicas desde os anos 1960. Privatizá-la é expor o Estado a riscos graves, inclusive à ação do crime organizado, como já ocorreu com empresas da Faria Lima, em São Paulo, a partir de ações iniciadas em um terminal privado no Porto de Paranaguá usado por facções criminosas”, afirmou.
Marcia Honda, diretora de tecnologia da Fenadados (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares), classificou o processo como inédito no país. “É a primeira empresa pública de dados ameaçada de privatização em tempos de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A decisão no Paraná pode contaminar empresas de tecnologia em todo o Brasil. É um movimento contrário ao que ocorre no mundo, que busca reforçar a soberania digital”, alertou.
De acordo com ela, organizações internacionais também vêm demonstrando preocupação com o que ocorre no Paraná, por representar um movimento contrário às tendências observadas no cenário global.
O advogado Dorival de Assis Jr. representante do diretório do PT-PR, deu ênfase aos pontos da inconstitucionalidade da lei que autoriza a privatização e que estão contemplados na Ação Direta por Inconstitucionalidade (ADI). “A privatização da Celepar é inconstitucional porque invade A competência da União sobre proteção de dados, fere o direito fundamental à privacidade, afronta a legalidade e a segurança jurídica, expõe informações sensíveis da população a riscos de uso indevido”, comentou.
Assis Jr. salientou, ainda, que existe ameaça à continuidade de serviços públicos essenciais, além de fragilizar a eficiência administrativa e, sobretudo, violar a soberania nacional ao sujeitar dados estratégicos a interesses privados e até estrangeiros.
Representantes da sociedade civil também enfatizaram que, com a privatização, dados sensíveis podem ser tratados como mercadoria, abrindo espaço para golpes, fraudes e uso político indevido. O Comitê de Trabalhadores lembrou que situações cotidianas, como ligações insistentes de telemarketing, mostram como informações pessoais em mãos privadas podem gerar abusos.
Funcionários que acompanharam a audiência pública são penalizados
Os funcionários da Celepar que participaram da audiência pública, realizada nesta segunda-feira (15), receberam falta no trabalho. Apesar da ampla divulgação do evento, a Celepar indeferiu o pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Paraná (Sindpd-PR) para liberação de empregados.
A empresa justificou a decisão pela ausência de pauta definida e de informações complementares apresentadas pelo sindicato. Em comunicado interno, a estatal reforçou que a participação de funcionários sem autorização prévia será considerada falta injustificada, cabendo aos gestores acompanhar o cumprimento da orientação e adotar as medidas de responsabilização cabíveis.
Caso seja confirmada a penalização aos trabalhadores, o Sindpd-PR e a bancada de oposição na Assembleia Legislativa entrarão com ação de assédio e opressão contra a Celepar.
AUTORIDADES PRESENTES
Além dos trabalhadores, entre as autoridades presentes à audiência estavam Júlio César Novaes, diretor da Secretaria Financeira do Sindpd-PR; Marcos Alexandre Castilho, professor titular da UFPR e representante do reitor, Marcos Sfair Sunye; Márcio Kieller, presidente da Central Única dos Trabalhadores no Paraná (CUT-PR); Leandro José Grassmann, presidente do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (SENGE); a advogada Dra. Clair – ex-deputada federal pelo Paraná –; a vereadora Vanda de Assis; Camila Gonda, representante da vereadora Giorgia Prattes; e Rodolfo Jaruga, representando o conselheiro Maurício Requião, do Tribunal de Contas do Estado (TCE); Ivo Pugnaloni, engenheiro eletricista e ex-diretor da Copel e Hélio Abreu, diretor do Instituto Sigilo no Paraná.